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Diego Rangel: 90% estudo e trabalho e 10% sorte

A carreira da tatuagem de Diego Rangel está muito associada à música. Foi a influência do heavy metal que o levou a fazer a sua primeira tatuagem. Fã da banda Pantera, o artista resolveu tatuar uma serpente na perna, inspirado pela capa de um dos álbuns da banda.

Quando chegou ao estúdio, Rangel começou apaixonou-se pelo mundo da tatuagem e a partir daí surgiu a ideia de viver da tattoo. Mas sua trajetória não foi sempre muito fácil. Rejeitado por alguns estúdios no Rio de Janeiro e em Salvador, o artista fundou o Rangel Tattoo Studio, na capital baiana.

Sempre aprimorando a sua técnica e nunca abrindo mão do estudo, o tatuador passou uma temporada na Europa, tatuando por cidades na Espanha, Itália e Inglaterra – nesta última fez o cartaz da Convenção de Tatuagem de Londres 2014, que lhe proporcionou uma projeção ainda maior.

O blog Tudo Sobre Tatuagem bateu um papo bacana com Rangel sobre sua carreira, trajetória e o mercado da tatuagem. Confira!

Como surgiu a ideia de fazer a sua primeira tatuagem? Qual foi o desenho escolhido?

Foi total influência do heavy metal, particularmente da banda Pantera. Quando iniciei a minha vida na tattoo, associava muito o metal e o meio da tatuagem. A serpente que tatuei na perna é influência da capa de um álbum da banda.

E de onde surgiu a vontade de ter a tatuagem como profissão?

Eu fiz muitos anos de terapia, ainda moleque. E, além de falar, desenhar fazia parte das sessões. Isso me ajudou a desenvolver o meu gosto pelo desenho, fui entendendo o poder que esse tipo de expressão possui. No dia em que eu entrei no estúdio para tatuar essa serpente, o mundo da arte me invadiu por completo. Nem sei se posso dizer que foi uma escolha, me pareceu um chamado, como se fosse um caminho sem volta.

A gente sabe que montar um negócio nunca é fácil. Quais foram os desafios que você teve que superar para conseguir montar o seu próprio estúdio?

A real é que eu era tão ruim como tatuador, que ninguém queria trabalhar comigo (risos). Fui recusado em alguns estúdios do Rio de Janeiro e de Salvador. Me vi sem escolha e montei um estúdio pra ter um espaço pra me desenvolver. Aos poucos, foi chegando gente, foram notando a evolução do meu trabalho. Tinha também a minha dedicação. É por isso que não falo mal do trabalho de iniciantes, ninguém nasce sabendo, o bom de hoje foi o tosco de ontem. O que eu critico as vezes é a postura de alguns iniciantes, mas aí é outra história.

Como você avalia o mercado da tatuagem em Salvador? Acha que é diferente de outros lugares do Brasil?

A globalização e a internet tornaram as coisas mais padronizadas, mais iguais; isso tem um lado bom e um ruim. Se por um lado a informação está em todo lugar, todos os estilos são possíveis de acessar, observar traços diferentes e tendências, existe também o ônus: muita “prostituição” no meio, tem gente fazendo tatuagem unicamente pensando em grana. É muito difícil mensurar o valor da arte, mas cada mercado precisa de uma coerência de acordo com o tipo de sociedade. Falo do poder aquisitivo, de cultura, de costumes. A postura de tatuadores que desvalorizam a arte criou um tipo de cliente terrível: o que quer preço baixo, não se preocupando com a qualidade do que vai colocar no seu corpo. Ok, você pode me dizer que foi esse tipo de cliente (que já existia), que criou o tatuador mercenário, é uma possibilidade. É uma equação tipo “quem veio primeiro, o ovo ou a galinha?”.  

Em suas redes sociais, vemos que você compartilha muito de seu trabalho. Qual a importância das redes sociais para promover o trabalho do tatuador?

Já fui resistente com redes sociais. Sou old school, deve ser a idade chegando haha. Mas sério, sempre achei que a arte deve ser achada, buscada, sempre pensei que arte envolve uma questão de merecimento, sabe? Mas fui entendendo com o tempo que as redes poderiam ser um canal de comunicação com apreciadores de arte que, sem esse recurso, jamais teriam oportunidade de ver o que faço. Outra coisa que percebi foi a possibilidade de mostrar quanto conteúdo envolve cada tattoo. Existe sempre uma história por trás, um estímulo, motivação, felicidade, homenagem, dor… é conteúdo demais pra ser ignorado. Pra mim, redes sociais são algo sério hoje em dia, sério mesmo.

Qual o seu estilo de tatuagem favorito? Por quê?

Oriental. O folclore veste maravilhosamente o corpo. Fora isso, realista preto e cinza. Acho que 90% das pessoas que me procuram, estão focadas nesses tipos de trabalho, ainda que eu saiba fazer qualquer estilo. Venho de uma escola de tatuagem onde o artista de verdade precisa saber tatuar qualquer desenho. Mas obviamente, cada um acaba se especializando em algo, seja por maior facilidade ou por gostar mais de um determinado estilo.

Como você conseguiu essa projeção internacional que tem hoje?

Fui pra Espanha em 2009, através de um tatuador gringo com quem fiz amizade. Passei um tempo em Ibza, fui parar na Itália, até fixar residência na Inglaterra, sempre tatuando em todos esses lugares e, aos poucos, ganhando o respeito dos artistas locais. Quando pediram pra eu fazer o cartaz da Convenção de Tatuagem de Londres 2014, posso dizer que isso foi uma virada de chave. Participei e circulei entre os melhores artistas da tatuagem do mundo e, ao voltar pro Brasil, me chamaram pra lançar um livro. Sinceramente? A minha projeção internacional tem uns 10% de sorte e uns 90% de esforço, estudo e doação. Já são 10 anos viajando por vários países pra tatuar, ser jurado em convenções, conhecer artistas diferentes, observar culturas… Geralmente o que chamam de sorte, eu chamo de trabalho.

Quais as dicas que você daria para quem deseja seguir o mesmo caminho que o seu e que deseje se destacar no ramo da tatuagem?

Estude. Estude a história da tatuagem, busque os pioneiros, as referências. Se o objetivo for ganhar dinheiro, indico que escolha outra profissão. Arte envolve muitas emoções humanas, envolve muita coisa abstrata. Pensar nisso como um business, em minha opinião, já é começar errado. Pode dar certo? Pode. Mas a possibilidade das pessoas perceberem que você é apenas um empreendedor é grande. A maioria das pessoas procura uma artista, o que não significa que um artista não pode empreender. Mas a arte tem que estar na frente de tudo.

Você já teve problema com algum cliente?

Hoje em dia o risco é quase zero porque as pessoas já entenderam o meu posicionamento, o tipo de arte que trabalho, já sabem das minhas escolhas. Essa é uma vantagem de quem já está há muitos anos fazendo isso. Mas antes, iniciando a carreira, rapaz… melhor nem comentar!

Para você, qual a importância para o tatuador participar de convenções e eventos da área?

Imersão. Você faz uma imersão entre artistas de estilos, etnias, culturas diferentes. Isso não tem preço. Não falo em contexto de competição, não gosto muito desse formato, de ter que “ranquear” a qualidade dos profissionais. O intuito é aprender sempre. Isso enriquece o artista, abre a cabeça, desmonta preconceitos, destrói verdades prontas; acima de tudo, se você evolui como artista, evolui como ser humano.

Você costuma ministrar workshops? Caso sim, qual a sensação de transmitir os seus conhecimentos de tatuagem para outros profissionais?

Eu levo muito a sério isso. Não me proponho a fazer nada se não for pra ser bem feito, até por respeito quem paga pra participar. Faço apostilas elaboradas, busco maneiras didáticas pra passar o conteúdo. Em geral são 2 dias no máximo, e também procuro falar um pouco da minha história profissional, não por achar que ela é a mais correta ou a mais exemplar, mas justamente pra mostrar que cada um pode, de fato, traçar o seu caminho, desde que busque se aprimorar, estudar e, principalmente, respeitar a arte.

Você também já atuou fazendo a tatuagem reparadora no seio de vítimas do câncer de mama. O que essa experiência significou para você?

Isso começou em 2015, quando me chamaram pra participar de uma campanha de Outubro Rosa. Quando vi o rosto de satisfação, os sorrisos e as lágrimas das mulheres que passaram por mim, ficou praticamente impossível me separar dessas ações. Entenda, não é trabalho. Não é o que faço normalmente, não ganho dinheiro com isso, não divulgo praticamente nada por achar que não é algo que deva ser contextualizado comercialmente. O meu tipo de retorno é outro, o meu ganho não é tangível, mas é gigantesco. Continuo fazendo e, provavelmente continuarei, mas não é o meu trabalho. É uma contribuição que, por causa do meu conhecimento, tenho o privilégio de poder proporcionar pra quem passou ou passa por um momento de fragilidade, um momento difícil. 

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